quarta-feira, 8 de março de 2017

Homens femininos,Há cada vez mais deles

Dia desses fui a um museu aqui em São Paulo e me espantei com o jeito feminino de vários garotos que trabalhavam como guias.
"Por que todos esses garotos parecem gays?",
perguntei ao amigo que estava ao meu lado.
"Porque são gays", ele respondeu, sem pestanejar.
A piada é boa, mas a resposta é ruim.
Boa parte dos garotos que tem jeito feminino não é gay.
Eles soam gays aos meus ouvidos e parecem gays aos meus olhos, formados em outra geração. Mas trata-se de um falso positivo.
Já passei mais de uma vez pela experiência de ser apresentado à mulher ou namorada de um rapaz que eu jurava ser gay.
Que fenômeno é esse?
Para resumir, acho que os homens, sobretudo os jovens, estão ficando mais femininos.
Isso significa que falam, agem, vestem e até se movem de um jeito que, anos atrás, seria exclusivo das mulheres. E isso ocorre na mesma medida em que as mulheres se tornam mais masculinas.
Se você acha que não está acontecendo, olhe em volta.
Ouvi um colega de trabalho explicar, outro dia, por que passava creme contra olheiras.
Outro colega disse sem constrangimento que certo personagem da vida brasileira dos anos 60 "era lindo, mas mau caráter".
Anos atrás não se ouviam heterossexuais dizendo essas coisas.
No meu banheiro tem hidratante de corpo e de rosto. Recentemente fui aconselhado a comprar creme de limpeza facial. E comprei.
Na Inglaterra, onde morei no início dos anos 90, me espantava o tamanho das necessaries que meus colegas de curso levavam nas viagens. Eram enormes e continham uma farmácia de cremes. Eu, que só carregava pasta de dente, xampu e desodorante, ria daquela exuberância.
Era o futuro.
Alguém pode objetar que uso de cremes não é exatamente um sinal de mudança dos tempos, mas há outros.
As roupas, por exemplo.
Os homens estão comprando mais do que podem vestir, exatamente como as mulheres.
E as roupas ficaram mais justas, mais coloridas, imitando claramente a estética gay.
Aquilo que a gente chama de metrossexual é o extremo de uma tendência de hedonização que vale para um número crescente de homens.
Há cada vez menos grunges por aí.
Que tal falar de linguagem corporal? Eis um pedaço da vida masculina que passa por uma verdadeira revolução.
Quando eu era pequeno – já contei isso aqui, nesta coluna – meu professor de judô dizia que homem só podia parar na rua de braços cruzados e pernas abertas. Ele ficaria surpreso de ver homens sentados com uma coxa repousando sobre a outra (como as mulheres) ou dançando sensualmente nas festas. Beijar no rosto é um gesto que saiu das famílias e começa a ser visto nas ruas, entre amigos.
A linguagem é outro divisor de águas.
Nada me espantava mais, anos atrás, do que a maneira de falar dos rapazes na faixa dos 20. O vocabulário, as entonações, até o gestual – um repertório de movimentos mais lânguidos do que eu estava acostumado – me pareciam discretamente ou ostensivamente gays. Não eram.
Muitos homens e mulheres não gostam da feminilização, mas a tendência me parece clara. Por várias razões.
A mais importante é a crescente importância das mulheres e de seus pontos de vista na sociedade. Um sujeito que não saiba lidar com as mulheres (na condição de iguais, com capacidade de compreensão e empatia) tende a ser um aleijado social.
A velha piada sobre não entender as mulheres está perdendo a graça: revela incapacidade de compreender as emoções de metade dos seus colegas de trabalho, para ficar em um único argumento.
Na chamada fábrica da sociedade -- famílias e escolas -- não vai mais se estimular a formação de personalidades testosterônicas, pela boa razão de que elas não têm mais lugar no mundo da igualdade. O tempo do macho exuberante ficou para trás, me parece.
Isso é boa notícia?
Depende. Tenho uma amiga que foi casada com um desses homens femininos e ela me disse – mais de uma vez – que o sexo com ele era o melhor que ela já tinha experimentado. A delicadeza do sujeito não o fazia um amante pior, pelo contrário.
Outras mulheres não querem saber disso. Preferem homens com pegada mais firme. Mais assertivos, menos incertos de si mesmos, mais contidos em suas emoções. Em duas palavras, diferentes delas.
Sempre haverá para todos os gostos. O que é inevitável é que a cultura feminina, a sensibilidade feminina e a percepção feminina do mundo ganhem cada vez mais prestígio – enquanto decresce a importância relativa das chamadas virtudes viris.
Isso não significa uma guerra entre homens e mulheres. Significa que os valores que ditam o nosso comportamento coletivo serão cada vez mais informados pelo temperamento e pelo gosto feminino.
Significa que os homens se parecerão mais com as mulheres do que jamais pareceram no passado. Haverá quem não goste, mas eu não vejo nisso nada de errado.


IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA

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