segunda-feira, 13 de março de 2017

Eros e Psique


Conta a lenda que dormia 
Uma Princesa encantada 
A quem só despertaria
 Um Infante, que viria
 De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
 Vencer o mal e o bem, 
Antes que, já libertado, 
Deixasse o caminho errado
 Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida, 
Se espera, dormindo espera, 
Sonha em morte a sua vida, 
E orna-lhe a fronte esquecida,
 Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado, 
Sem saber que intuito tem, 
Rompe o caminho fadado, 
Ele dela é ignorado, 
Ela para ele é ninguém.

 Mas cada um cumpre o Destino
 Ela dormindo encantada, 
Ele buscando-a sem tino 
Pelo processo divino 
Que faz existir a estrada.

 E, se bem que seja obscuro 
Tudo pela estrada fora, 
E falso, ele vem seguro,
 E vencendo estrada e muro,
 Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
 À cabeça, em maresia,
 Ergue a mão, e encontra hera,
 E vê que ele mesmo era 
A Princesa que dormia. 

(Eros e Psique, de Fernando Pessoa)

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