Antes de mais nada,OBRIGADA LETÍCIA LANZ
Obrigada por tudo o que fez e tem feito.
Isso me incentiva a cada dia a ser uma pessoa mais confiante em mim mesma,e a continuar seguindo em frente.- Veronica R.de O. Reis
Olá Letícia, Como vai? Sou uma das milhares de esposas que terminaram por descobrir, devido a minha enorme curiosidade, algo muito especial sobre seus maridos. Ele é um crossdresser. Como eu nunca tinha ouvido falar sobre este assunto, surgiu um buraco gigante entre eu e ele. Quase nos separamos mas, por seu intermédio, mesmo sem você saber, descobri de uma forma clara e simples esta nova realidade. Ele me indicou uma visita ao seu site, que é muito bom e esclarecedor. Ele também deixou um recado para você, agradecendo tudo que você fez por nós dois. Mas agora, passado o impacto inicial, estou tendo muitas dúvidas. Após todas as revelações, ele se veste com peças íntimas, tem peruca, e roupas femininas, mas como disse, sou muito curiosa. E descobri que ele anda visitando sites de bate-papo do gênero. Não tenho certeza, mas isso é normal? Será que ele tem vontade de ter relações com homens, mesmo ele dizendo que é hetero? Às vezes não acredito. É comum CDs procurarem por homens? Estou muito confusa e sei que você pode me ajudar a esclarecer essas dúvidas. Eu o amo muito, mas parece que ele não tem confiança em mim. Se quer ter relação com outros homens, basta me falar. Gostaria muito que ele me contasse tudo o que passa na cabeça dele e no seu coração, assim como eu faço. Gostaria que fosse sincero comigo. Eu o apoio em quase tudo. Quase tudo, porque não sei se o apoiaria em ter relações com outros homens e vestir-se eternamente como uma mulher. Sei que não aguentaria vê-lo vestido de mulher diariamente. Mas sei lá, quem sabe, né? Tudo depende muito da maneira como as coisas acontecerem entre a gente. Desde já te agradeço por tudo. Mesmo sem nos conhecermos, já tenho um enorme carinho por você. Abraços carinhosos de alguém que te admira muito. Bjssss Marina Santos Lima, São Paulo-SP.
Cara Marina,
Gostaria muito de lhe ajudar a superar suas dúvidas sobre sua recente descoberta do crossdressing (travestismo) do seu marido. Mas você vai concordar que esse é um tema onde apenas você pode encontrar respostas que realmente a satisfaçam, assim como tomar as suas próprias iniciativas e decisões sem a interferência de ninguém.
Em seu email você diz que seu marido se abriu com você, revelando-lhe a sua condição de crossdresser. Pelo que pude entender, você recebeu a notícia até bem, sem maiores traumas ou transtornos na sua vida conjugal. As grandes dificuldades começaram a aparecer agora, depois que ele começou a apresentar comportamentos que estão deixando você bastante preocupada: – com ele, com o futuro da sua relação matrimonial e, naturalmente, com você mesma, ainda que não declare isso explicitamente em seu email. Posso lhe assegurar que a fase logo depois de um dos parceiros se revelar transgênero é a mais difícil na vida do casal, quando antigas certezas começam a cair por terra e novas verdades ainda não foram suficientemente entendidas e assimiladas.
Viver ao lado de um companheiro, namorado, noivo ou marido transgênero é uma tarefa que exige alto grau de compreensão, tolerância, respeito, carinho e apoio, muito mais do que habitualmente é necessário numa relação conjugal “padrão”. Pouquíssimas mulheres se dispõem a enfrentar esse desafio. A maioria abandona a relação na mesma hora em que descobrem o estranho gosto dos seus maridos, sem nem se preocupar em entender a profundidade e a extensão do comportamento transgênero. Rompem a relação cheias de rancor, ira, repúdio e perplexidade, pouco se importando com o que se passa com seu cônjuge transgênero. Para a maioria das mulheres, como para a população em geral, vestir-se de mulher é a mesma coisa que ser homossexual. E esposas não querem maridos gays. Ponto final.
Pelo que vejo, você está se esforçando muito para participar da minoria de mulheres que tentam entender e aceitar a expressão de identidade dos seus maridos, em vez de abandonar a relação sem maiores explicações. Tenho quase certeza que seu esforço será recompensado, pois maridos transgêneros costumam ser profundamente gratos, fiéis e companheiros para a vida toda de esposas que se esforçam para entende-los e aceita-los.
Na concepção popular machista, nada mais “gay” do que “crossdresser”, ou seja, do que “travesti”, em bom português. Contudo, nada mais errado do que esse raciocínio simplista, ligando orientação sexual à identidade de gênero como se fossem uma mesma e única coisa.
Não são. As estatísticas mostram que o número de pessoas homossexuais na população transgênera segue a mesmíssima proporção existente na população em geral. Ou seja, não é porque o sujeito se veste de mulher que ele deseja necessariamente fazer sexo com homens. Aliás, a maioria das pessoas transgêneras são heterossexuais. Mesmo entre transexuais operadas – portanto mulheres, tecnicamente falando – há muitas que permanecem desejando outras mulheres na hora de fazer sexo. Por outro lado, o objeto de desejo gay é outro homem, não outra mulher, e muito menos “outro homem vestido de mulher”. Resumindo: nada impede seu marido de desejar fazer amor com homens quando vestido de mulher. Contudo, isso é muito menos comum no mundo transgênero do que a população em geral – e as mulheres em particular – estão dispostas a acreditar. Na maioria dos casos, pessoas transgêneras não se travestem para expressar sua orientação sexual, mas sua identidade de gênero.
Por outro lado, eu não duvido que possa ter fundamento a sua suspeita de que seu companheiro CD não tem confiança em você e não se abre inteiramente com você. A transgeneridade é uma área onde tradicionalmente correm soltas a omissão, a mentira e as “meias-verdades”. Todo CD que eu conheci até hoje padece de um medo abissal em se abrir inteiramente com as outras pessoas. Até mesmo os mais abertos e descolados que, aparentemente, não estão nem aí pra paçoca, costumam “empacar” e trancar-se quando se trata de conversar abertamente sobre a sua condição transgênera.
A principal razão para o “trancamento” do seu marido quando se trata de lhe expor abertamente seus desejos e fantasias de natureza transgênera é que o homem é duramente condicionado desde a sua infância “para ser homem e somente homem”. Qualquer pensamento, sensação, desejo ou manifestação que fuja ao duríssimo código de comportamento masculino faz o homem sentir uma vergonha e uma culpa excruciantes, capaz de dilacerar e consumir com toda a sua auto-estima.
Aprendi que a melhor maneira de ajudar alguém a se abrir não é “forçar a barra” com a pessoa, através de apelos, propostas e declarações que, em vez de contribuir para uma maior abertura, acabam sendo motivo para maior trancamento. É assim que expressões aparentemente “suportivas” e “estimuladoras” acabam tendo efeito exatamente contrário: – Pode abrir-se comigo…
- Você não confia em mim?
- Você não precisa me esconder nada…
Veja a diferença dessas expressões com as expressões abaixo:
- Lembre-se que estou aqui para ouvi-lo sempre que você tiver vontade de me falar dos seus desejos e fantasias.
- Todo mundo tem coisas que não gosta de falar a respeito… Você e eu não somos exceção…
- Não se preocupe em tentar me dizer tudo que está pensando ou sentindo. Fale-me apenas do que der conta de falar…
Bem diferente, não?
A primeira seleção de frases (aliás, as mais comuns por aí) revela, por trás de uma aparente “disponibilidade pessoal em ajudar”, uma grande insegurança de quem fala.
Note a segurança pessoal de quem fala, contida na segunda seleção de frases.
Porém, como eu já disse lá no início, a escolha é só sua e de mais ninguém.
Mais uma coisa: -ao me queixar de que “o outro não tem confiança em mim” estou revelando, na verdade, toda a minha insegurança pessoal, ou seja, a minha própria falta de confiança em mim! O problema não é o outro confiar ou não em mim e sim eu confiar ou não em mim mesma!
Se você tiver confiança em si mesma, poderá suportar muito bem o “trancamento” do seu marido e até mesmo respeitar a dificuldade dele em se abrir com você sobre coisas que você gostaria muito de saber… Agora, se você não confia em você, se está insegura com relação a si mesma, sua tendência será atribuir a ele as causas da sua insegurança pessoal.
Apesar de ainda serem vítimas de uma masculinidade cada vez mais violenta, arrogante e ultrapassada, as mulheres ainda se agarram a padrões e valores essencialmente machistas na hora de escolher e de manter parceiros conjugais. Nem é preciso dizer que crossdressers, ou seja, homens que se vestem de mulher, que se travestem, estão inteiramente fora de cogitação para a esmagadora maioria das mulheres.
Se você pretende continuar casada com esse mesmo marido, é importante que você trabalhe não para entender e resolver os problemas dele que, eu lhe garanto, são muitos. Os problemas dele são dele, não seus. É preciso que você tenha isso constantemente em mira quando perceber que está entrando “além da conta” em questões que absolutamente não lhe pertencem.
O que lhe pertence, de fato, é a sua própria vida, os seus próprios desejos, objetivos e escolhas. É neles que você deve estar focada, sempre. Se você perde-los de vista, seja em nome do que for, vai acabar insegura, frustrada e desconfiada – não exatamente dos outros – mas de si mesma.
Beijos
Letícia Lanz
FONTE:http://www.leticialanz.org/
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