Masculinidade: Crise da espécie
Predominância feminina no mercado de trabalho expõe as fraquezas masculinas e gera uma crise sem equivalentes – é o fim de uma noção rasteira de virilidade.
Nós, homens, estamos a ponto de encarar dificuldades parecidas às que as mulheres enfrentaram quando começaram a brigar pela igualdade de direitos há coisa de 40, 50 anos atrás. Os problemas estão aí – a água, batendo no queixo –, mas seguimos de cabeça levantada, tentando respirar e nos convencer de que, pior, não pode ficar.
Ah, pode.
O novo homem
Uma resposta para a crise masculina é arregaçar as mangas e fazer o trabalho que tiver que ser feito, seja ele “másculo” ou não. É o que sugere a revista Newsweek, assim como Tracy Clark-Flory, ensaísta da revista Salon, e, aparentemente, todos que se debruçam sobre a questão.Ameaça: Retrossexuais
Uma resistência se formou e seus integrantes foram batizados de “retrossexuais”, um termo meio estranho para designar os homens saudosos dos tempos que se foram.
Pode parecer surreal, mas existem grupos que lutam pelos direitos dos homens nos Estados Unidos, mas, de acordo com Hanna Rosin, eles preferem assumir uma postura agressiva contra as mulheres. “Casamentos acabam ou nunca acontecem e crianças crescem sem os pais. Longe de ser celebrado, o poder crescente da mulher é visto como uma ameaça”, escreve Hanna.
Se a mulher ganha o dinheiro que sustenta a família, quem é o homem da casa? Use de referência a noção mais rasteira de hombridade e a resposta é esta: o homem da casa é a mulher. Se os parâmetros são esses, se botar dinheiro em casa é o que deveria bastar, então o homem já era.
Nascimento: crise do homem pós-moderno
A revista Veja estampou em sua capa uma imagem de Wagner Moura. Mas não era do ator baiano que estavam falando, mas sim de seu personagem nos filmes Tropa de Elite 1 e 2: o capitão Roberto Nascimento, do Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o Bope.
De acordo com analistas norte-americanos, está em curso uma inversão de papéis sem precedentes na história da humanidade. A imprensa gosta de usar expressões como esta – “sem precedentes na história da humanidade” –, mas ela é perfeita para a situação.
O eco do que acontece nos Estados Unidos costuma levar um tempo para chegar ao Brasil e se espalhar para outros países. No entanto, o mercado nacional começa a dar sinais de que o abalo ocorrido no norte do continente está descendo até aqui bem rápido.
A notícia que gerou rebuliço na terra de Barack Obama é que as mulheres, pela primeira vez na história daquele país, ultrapassaram os homens na força de trabalho. Hoje, mais de 50% das vagas do mercado são ocupadas pelo sexo que já foi “oposto” e “frágil”. Agora, “dominante” é um termo mais apropriado. E o domínio feminino deve aumentar nos próximos anos porque projeções indicam que milhares de vagas a serem criadas no mercado daqui para frente não são consideradas, à primeira vista, “coisas de homem”. Pense em enfermagem e magistério como exemplos. Das 15 áreas que mais devem crescer até 2018, apenas duas têm predominância masculina: zelador e engenheiro de computação.
Pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgada em março de 2010, mostram que, no Brasil, os homens foram mais afetados pela crise econômica mundial do que as mulheres. O desemprego aumentou entre eles e recuou entre elas (embora as mulheres ainda ganhem, em média, 30% menos do que os homens).
A escritora Hanna Rosin, num artigo publicado pela revista The Atlantic Monthly apocalipticamente intitulado “Fim dos Homens” (e você achou a história do “sem precendentes para a humanidade” um exagero...), cita o quanto a crise masculina é sentida nas comunidades pobres dos EUA, onde desempregados se rendem à bebida, abandonam a família, somem e deixam as mulheres com as crianças, com as contas e, por consequência, com os empregos. Essa história é bastante próxima da realidade brasileira, cheia de homens inconsequentes e mulheres trabalhadeiras.
É só olhar ao redor para encontrar uma Maria (esse não é o seu nome verdadeiro), garota que trabalha como doméstica em Curitiba e vive na região metropolitana. Parte de uma família em que os homens bebem demais ou simplesmente não existem, há anos ela estuda e ajuda a mãe na criação de um menino, filho de sua irmã, e nas despesas da casa.
O artigo de Hanna Rosin em agosto passado detonou uma série de discussões e reportagens. A revista semanal de notícias Newsweek deu sua capa de 20 de setembro para o tema.
O título: “A Liberação dos Homens”.
Periódicos como Chicago Tribune, Slate e Salon (os dois últimos, digitais e com alguma ressonância) também contribuíram para o debate.
Na imprensa brasileira, quem costuma tratar do assunto é o psicanalista Contardo Calligaris, cronista da Folha de S.Paulo e autor dos livros Quinta-Coluna e Terra de Ninguém. A crise do homem interessa tanto a Calligaris que ele escreveu a peça teatral O Homem da Tarja Preta, monólogo em que o personagem se debate com a própria fragilidade.
Até o momento, o que se concluiu é que as mulheres estão mais bem equipadas do que os homens para lidar com o mundo atual. Segundo Hanna Rosin, elas têm inteligência social, são abertas à comunicação e capazes de se concentrar. “No mínimo, [esses atributos] não são predominantemente masculinos”, diz ela para, em seguida, amarrar uma sequência de argumentos, do domínio feminino nas universidades norte-americanas (nas graduações e nas pós-graduações) até as indianas que vivem em regiões pobres e mostraram talento para aprender inglês mais rápido do que os homens a fim de trabalhar em centros de telemarketing – que migraram em massa para a Índia (executivos descobriram que é mais barato pagar indianos para falar com americanos do que montar um call center nos EUA).
Hanna cita ainda o exemplo da premier Johanna Sigurdardottir, da Islândia, a primeira líder política abertamente lésbica do planeta. Há vários outros exemplos da competência feminina em cargos de poder – na Alemanha, no Chile e, claro, no Brasil, com Dilma Rousseff.
Enquanto as mulheres predominam no mercado de trabalho e dão conta de tudo mais – casa, filhos, família, etc. –, os homens continuamos imbatíveis no que se refere à criminalidade, violência, alcoolismo e suicídio. Estamos sem eira nem beira. Acabaremos vivendo numa espécie de miséria, nos sentindo inúteis e machos demais para discutir a situação.
O mundo atual seria um pesadelo para Ernest Hemingway (1899-1961). O autor de O Velho e o Mar criou uma obra inteira sobre a masculinidade – sem nunca ignorar as pequenas “rachaduras” que percebia, os sinais de fragilidade – e conduziu a própria vida de acordo com suas crenças: caçou, bebeu, pescou, bebeu, guerreou, idolatrou as touradas, bebeu mais um tanto e se envolveu com muitas mulheres.
É o fim do homem encarnado em Don Draper, o publicitário vivido por Jon Hamm na série de televisão Mad Men. Colosso da masculinidade, ele é, no fundo, um homem em conflito, dividido, sufocado pelo que esperam dele. Isso pode servir de explicação para parte do sucesso que o seriado está fazendo. Homens em crise encarnam o espírito deste tempo e talvez sejam uma das razões para o fenômeno dos adultos que agem como adolescentes, evitando responsabilidades e adiando a saída da casa dos pais.
O sociólogo Michael Kimmel escreveu sobre o assunto no livro Guyland (algo próximo de “Gurilândia”) e mostra que aqueles que decidem assumir mais responsabilidades não estão achando a experiência nada ruim.
Os homens precisam agir logo e se reinventar para ocupar novos lugares em casa e no trabalho.
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