segunda-feira, 15 de maio de 2017

A Teoria de Jung Sobre a Anima e Como Ela Se Relaciona à Transgeneridade

Catherine Anderson Tradução: Letícia Lanz
Sumário

A Grande Sacerdotisa, como retratada no Tarot de Rider-Waite
Uma história idealizada do crossdressing (ainda que não inteiramente universal) pode ser resumida da seguinte forma:
• Todo menino possui características que a sociedade considera femininas. Quando um garoto mostra essas características, encontra desaprovação. O garoto, então, reprime essas características femininas, os quais se transformam na anima.
• O menino desenvolve uma personalidade masculina normal (máscara), e entra no mundo. Vai para a escola e segue uma carreira. O impulso interno para manifestar seu potencial feminino reprimido manifesta-se em sonhos e fantasias.
• Na meia idade, ele vivencia desconforto devido à natureza irrealista e limitadora da sua persona masculina. Por essa época, ele pode apresentar uma vontade muito forte, quase insuportável, de usar roupas femininas, ou de ser uma mulher na sua fantasia. Este impulso é natural e saudável: – é o self, em busca da expressão total da sua “inteireza”, que leva a pessoa a buscar maneiras de manifestar suas potencialidades reprimidas.
• Na falta de referências e mecanismos sociais que validem ou orientem seus impulsos, o homem se sente altamente confuso. O mundo diz que travestir-se é errado, mas seu coração diz que é certo. Culpa, vergonha, restrições morais e sua própria visão altamente idealizada da masculinidade causam-lhe profundo constrangimento em se travestir. Em meio a essa crise existencial, ele se questiona sobre coisas como “será que eu sou gay” e “será que eu deveria mudar de sexo?”
. O estágio de confusão pode durar meses, anos ou décadas. Uma pessoa transgênera pode se montar com frequência, mergulhar fundo em pesquisas na busca por entender intelectualmente o fenômeno do travestismo, ou até mesmo tomar hormônios femininos. Como pode também permanecer altamente “armarizado” (trancado em seu armário). Mas a marca registrada desta fase é que ele permanece confuso e altamente ambivalente, sem saber como agir. Este parece ser um ponto final para muitos. Entretanto, as teorias de Jung e outros sugerem que este não é exatamente o ponto final, mas meramente desenvolvimento humano reprimido. Se o impulso para o travestismo é realmente adaptativo – uma resposta do organismo para remover as barreiras que impedem o desenvolvimento de metade das potencialidades de um homem – podemos especular que novos estágios de desenvolvimento são possíveis:
• O transgênero reconhece o lado positivo e terapêutico do travestismo. Nesse ponto, o travestismo torna-se muito mais aceito do que rejeitado pelo ego. Livre das restrições morais, a pessoa transgênera passa a enxergar o travestismo como uma forma de expressão de si própria, um canal de manifestação construtiva e enriquecedora da sua própria personalidade. E justamente por isso, a legitimação da necessidade de se montar traz com ela um reconhecimento muito mais realista dos próprios limites e possibilidades.
• A pessoa transgênera passa gradualmente a vivenciar sua “mulher interior”. Na medida em que a pessoa transgênera se permite reconhecer partes de fundamental importância do seu ser, que estiveram longamente reprimidas e recalcadas dentro dele, descobre que elas transcendem os rótulos sociais de “masculino” ou “feminino”. Aprende ainda a reconhecer e a distinguir na própria anima as suas características nobres e sublimes (espiritualidade, amor, beleza, solidariedade, etc) e as suas características mesquinhas e vulgares (promiscuidade, vaidade, inveja, arrogância, etc).
• Durante algum tempo, o transgênero vivencia as duas personalidades masculina e feminina como entidades distintas. Gradualmente, ele vai aceitando que partes da sua mulher internalizada passem a fazer parte da sua conduta diária, incorporando-se ao seu modo de vida masculino. Esta etapa se funde gradualmente com a etapa seguinte.
• A inclusão da fêmea promove uma transformação na personalidade masculina, produzindo uma nova identidade, muito melhor do que qualquer uma das duas consideradas isoladamente. A fêmea fortalece e transforma o macho. Esta etapa não se interrompe mais. O novo self continua crescendo – presumivelmente na direção a uma maior espiritualidade, amor e serviço ao próximo.
. É compatível com a teoria da anima que o impulso de se travestir possa diminuir durante essas últimas etapas. A pessoa transgênera MtF agora compreende que ele não era a roupa ou tornar-se uma mulher que ele esteve procurando – essas coisas simplesmente simbolizavam os aspectos mais profundos da sua personalidade que ele estava necessitando de expressar. Uma vez que ele experimenta e manifesta esses aspectos diretamente, a roupa feminina tem menos significação e importância em sua vida.
Introdução
As teorias sobre transgeneridade lembram aquela história dos cegos descrevendo um elefante. Um deles pega na perna e diz: “o elefante se parece com um poste”. Outro pega no rabo e diz “não! um elefante se parece mais com uma corda.” Outro ainda pega no corpo do elefante e diz, “claro que não! Ele é mais parecido com um muro”. A mesma coisa acontece com as teorias psicológicas a respeito de travestismo. Isoladamente, qualquer uma das teorias existentes é capaz de explicar, na melhor das hipóteses, apenas uma parte do que é o travestismo e o que ele significa para um dado grupo específico de pessoas. Portanto qualquer teoria isolada é necessariamente limitada.
Feitas essas considerações, apesar de ser uma teoria isolada, merece especial atenção a Teoria da Anima, do psicanalista suíço Carl Jung, em virtude do quanto ela pode contribuir para esclarecer muitos aspectos do travestismo.
A Definição de Anima
Jung usou o termo “anima” para referir-se às características femininas, reprimidas e inconscientes, da personalidade de um homem. A “anima” é constituída por ideias, percepções, impulsos, padrões de atividade cerebral, etc, podendo ser considerada como uma entidade que possui vida autônoma na psiquê de um homem.
Para entender o surgimento e o funcionamento da “anima” é necessário enfocá-la dentro da perspectiva do desenvolvimento humano. Na medida em que um menino vai crescendo, as menino começam a emergir as suas potencialidades genéticas. Algumas vezes essas potencialidades se manifestam na forma de comportamentos espontâneos. Outras vezes aparecem como respostas instintivas a eventos ocorridos no ambiente. Algumas manifestam-se por si próprias, como o impulso de imitar.
O problema é que as potencialidades genéticas que nos acompanha desde a concepção foram há muito tempo etiquetadas pela sociedade como sendo ou “masculinas” ou “femininas”.
Assim, logo logo, o menino descobre que não é bem aceito e pode até mesmo acabar em maus lençóis, todas as vezes que apresentar comportamentos associados a impulsos considerados “femininos”. Se, por exemplo, ele demonstrar “interesse excessivo” por algum artigo do vestuário feminino ou, pior, se vestir a peça, encontrará, na melhor das hipóteses, olhares de muita preocupação por parte dos seus pais.
Em geral, o menino receberá forte desaprovação e desencorajamento da parte dos seus pais sempre que demonstrar qualquer comportamento percebido por eles como contrário ou inadequado aos padrões de conduta do gênero masculino. Tais expressões de desaprovação dos pais moldam poderosamente a personalidade de um menino. Qualquer criança vive permanentemente “antenada” às reações do ambiente frente aos seus comportamentos, captando até mesmo os mais leves sinais de aprovação ou desaprovação. No caso de um menino demonstrando traços de comportamentos considerados femininos, a desaprovação pode ser especialmente forte, com expressões de choque, medo ou repugnância dos pais, especialmente do pai.
Em tais circunstâncias, a maior parte dos meninos reprime os impulsos que os levou à desaprovação do(s) comportamento(s) a eles associados. Contudo, essa repressão de maneira nenhuma elimina a tendência dos impulsos se manifestar. O interesse por uma roupa bonita e atraente é uma reação natural: – não vai desaparecer por causa da desaprovação do pai. O que acontece é que, uma vez que descubra ser “’impróprio”, o menino não expressa mais o comportamento associado ao impulso, ou seja, bloqueia o impulso antes que ele produza algum comportamento (supressão). Mais adiante, o impulso será interrompido muito antes de chegar no nível da consciência, a partir de onde ele poderia tornar-se um comportamento (repressão). Este cenário acontece repetidamente. O menino traz consigo uma coleção de impulsos e sentimentos, rotulados pela sociedade como femininos, os quais devem ser reprimidos. Por absoluta falta de sorte, entre esses sentimentos estão algumas das melhores características que um ser humano pode ter: – vulnerabilidade emocional, compaixão, sensibilidade, senso estético, felicidade e êxtase, apenas para citar algumas.
Como já foi dito antes, Jung utilizou a palavra “anima” para referir-se à soma de todas as partes do psiquismo do homem que, de alguma forma, foram rotuladas pela sociedade como próprias do gênero feminino e que, por isso mesmo, são reprimidas. Embora não tenha considerado explicitamente esse comportamento em sua teoria da anima, se ela for bem entendida, ficam bastante evidentes as suas implicações diretas para o crossdressing.
Naturalmente, não podem ser negados para sempre todos esses impulsos e potencialidades reprimidos pelo menino, a fim de adaptar-se às exigências sociais para tornar-se um digno representante do gênero masculino. Esses impulsos começam a emergir parcialmente, de modo disfarçado, escapando de maneira furtiva aos mecanismos de repressão. Por exemplo, um menino pode sonhar que é menina. E, nos sonhos, pode vivenciar o conjunto de todos os seus pensamentos e sentimentos reprimidos.
A repressão dessas tendências produz uma descontinuidade no crescimento normal do menino. uma espécie de “desenvolvimento interrompido”, onde estes impulsos permanecem em estado de semi-ativação contínua, nunca totalmente alcançada, mas incapaz de ser desligada até que sejam totalmente expressos.
Certa tribo africana obriga os garotos a passarem um tempo vestidos de meninas. Isso ocorre pouco antes do seu “ritual de passagem” para a vida adulta. Após duas semanas vivendo como garotas, os rapazes acabam ficando enfastiados. É possível que algo similar ocorresse na nossa sociedade se os meninos fossem autorizados a explorar os seus impulsos femininos, pois assim eles poderiam simplesmente aprender o que há para ser aprendido nessa experiência e seguirem, naturalmente, para outros campos de interesse, sem guardarem nenhum trauma de repressão.
A essa altura, devemos considerar o que acontece com o desenvolvimento “normal” do sexo masculino – que, pelas razões expostas, talvez não deva ser considerado tão normal assim.
A dinâmica habitual é que o homem procure insistentemente projetar seu lado feminino reprimido em cima das mulheres da sua vida. Parte da sua atração por mulheres é que elas apresentam (ou pelo menos ele imagina que elas o fazem) algumas de suas próprias características femininas reprimidas, cuja manifestação ele impede sistematicamente, embora de forma totalmente inconsciente. Assim é que, através de suas parceiras do sexo feminino e de outras mulheres com quem se relaciona e a quem admira, o homem busca vivenciar sua própria anima em caráter substitutivo. Contudo, essas mulheres possuem suas próprias identidades. Elas são o que são – não o que o homem projeta nelas. Quando um homem projeta sua anima sobre elas, ele não as vê como elas realmente são, criando, dessa forma, expectativas altamente irrealistas em relação a elas. E esse é um jeito infalível de arrumar problemas…
A Anima e a Alma
Na teoria de Jung, a anima está intimamente relacionada com a alma. Esta idéia coincide com o imaginário religioso, onde a alma é, invariavelmente, uma entidade feminina. Pode até ser que a alma não seja tão feminina assim, mas uma coisa é certa: – masculina ela não é, decididamente.
Em seu livro, A Dualidade da Existência Humana, David Bakan sugeriu a existência de duas categorias básicas de experiência humana, às quais ele denominou respectivamente de Realização e Comunhão. Em muitos aspectos, essas categorias correspondem à Masculinidade e à Feminilidade, Yin e Yang, e a outros pares de opostos semelhantes a esses. A essência da Comunhão é a fusão da identidade pessoal com os demais seres humanos, com a Natureza e com o Cosmos, e na “aceitação daquilo que é”. A essência da Realização é a sua individualidade, independência, separação e determinação de “mudança daquilo que é”. Tradições espirituais enfatizam a Comunhão. Nessas tradições, superar o senso de isolamento pessoal, em favor de uma maior conectividade com Deus e com as outras almas, é tido como a meta principal da Alma. A masculinidade é o grande agitador. Ela perturba a tranquilidade com imagens de agressão, realização e conquista. É natural que os homens aspirem um estado isento de tais perturbações.
Uma vez que as mulheres são, de modo geral, muito mais livres de tais pressões, os homens associam estados mentais de serenidade e ternura com a condição feminina. Quando um homem deseja ser “uma mulher” – em parte ele pode estar querendo apenas experimentar estados de espírito mais calmos e repousantes. O crossdresser pode não perceber isso mas, muitas vezes, suas tentativas de tornar-se mulher está cercada de um senso de mistério ou vêm associadas com a exploração de universos ocultos. A foto no início deste ensaio capta este ar de mistério associado à anima.
A Crise da Meia-Idade
Aparentemente uma pessoa transgênera MtF se distingue dos outros homens por estar disposto a experimentar conscientemente partes do seu psiquismo feminino reprimido. Ainda não está suficientemente claro como e por que esses homens diferem dos demais. Talvez alguns deles tenham sido geneticamente dotados com quotas maiores de características consideradas femininas. Talvez alguns tenham tido experiências precoces com crossdressing (irmã ou mãe que lhes vestiram). Talvez sejam simplesmente mais ousados e aventureiros do que os outros, em explorar mais a fundo questões de sexo e gênero. Ou talvez sejam mais introspectivos ou mais sagazes do ponto de vista intelectual, tendo assim alcançado níveis mais elevados de consciência dos seus conteúdos mentais reprimidos.
Mas em todos os homens, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, a anima começa a “fazer barulho”. Quando uma pessoa reprime basicamente metade do seu self (ser), ela está predestinada a ser infeliz.
Não é por acaso que o impulso para se travestir se manifeste mais fortemente na faixa dos 35-45 anos, coincidindo com a chamada crise da meia idade. É nessa faixa de idade que um homem começa a perceber, conscientemente ou não, o ego excessivamente idealizado que ele construiu para si mesmo e que não está lhe trazendo a felicidade prometida.
Homens respondem à crise da meia-idade das maneiras mais diversas. Alguns arrumam casos extra-conjugais. Alguns se divorciam. Alguns abandonam suas famílias. E alguns resolvem assumir a sua transgeneridade.
As teoria de Jung sugerem que, a fim de se realizar integralmente, um homem necessita de “integrar” a anima à sua personalidade ou seja, retomar o contato com suas características femininas reprimidas. O travestismo em geral é um passo decisivo nessa direção.
A Teoria da Anima sugere que, a partir do momento em que a pessoa transgênera MtF deixa aflorar livremente em sua consciência os traços femininos reprimidos da sua personalidade, ele está caminhando firmemente rumo à completa integração da sua personalidade. Atingindo esse ponto de integração, estará, então, totalmente equipado para viver a vida de maneira mais plena. Seus vários potenciais estarão harmonizadas e capazes de operar em conjunto. Uma pessoa assim está apta para realizar o que quiser.
Por outro lado, se a integração da personalidade não ocorrer, o homem continuará vivendo dividido. Uma analogia simples seria a de alguém tentando dirigir um carro com os freios puxados. Uma analogia ainda melhor seria a de alguém tentando dirigir um carro que tem dois motores, cada um puxando o carro para uma direção diferente.
Dentro da visão junguiana, um transgênero não deseja, literalmente, tornar-se mulher. Ele está apenas tentando tornar-se ele mesmo, ser uma pessoa mais integrada e viver a vida de uma maneira mais rica e plena. O travestismo é um passo muito positivo na busca pela integração da personalidade e ativação de todas as suas potencialidades humanas.
Mas alguém pode identificar facilmente exemplos de como a prática do travestismo também leva a excessos, ou exemplos de como o travestismo pode fracassar inteiramente na tarefa de conduzir a pessoa transgênera para um modo de vida mais pleno, equilibrado e feliz. Devemos, então, indagar como é que esse processo se torna errático.
Uma resposta é que talvez o travestismo tenha se tornado autônomo em relação à meta inicial. Exemplo disso é quando o travestismo se torna um hábito, em vez de ser uma resposta espontânea ao impulso para a realização pessoal. A mente masculina, analítica por natureza, diz “gosto de me travestir; vou organizar as coisas e me programar de tal maneira em minha vida que eu possa praticá-lo regularmente”. Quando o travestismo se transforma em apenas mais um hábito, ele perde o seu poder de conduzir a uma maior integração da personalidade do homem, deixa de ser uma ferramenta de crescimento para ser apenas mais uma, das muitas amarras que o indivíduo já possuía.
Em qualquer situação, o travestismo sempre tem ganhos secundários. Por exemplo, travestismo é uma maneira de escapar da realidade. Todo mundo é mais ou menos propenso a muitas formas de escapismo, mas a pessoa transgênera é especialmente vulnerável a isso. Se o transgênero se mantém “no armário”, travestindo-se apenas para si mesmo e em caráter secreto, essa atividade será apenas uma parte destacada e isolada do ego. Nesse caso, não poderá beneficiar-se de apoio, opiniões e críticas de suas companheiras, amigos, família e sociedade em geral. E não há muito o que se aproveitar, em termos de crescimento e integração da personalidade, quando uma pessoa transgênera acha que travestir-se em segredo “já é o bastante” como meio de expressão da sua identidade.
Integração da Personalidade
O poema “Invictus” expressa de maneira suscinta uma masculinidade ainda não foi temperada pela anima. Ele começa assim:
Debaixo da noite que me encobre
Como uma tenda negra, de canto a canto,
Eu agradeço a quem os deuses possam ser
Por possuir uma alma inconquistável.
O poema, cheio de imagens de desconfiança e luta, foi recitado por Timothy McVeigh, na hora da sua execução. McVeigh é um caso a ser examinado. Agindo estritamente dentro da lógica do “macho”, concluiu que seus atos de militância eram justificados, a fim de corrigir certas ações do governo dos Estados Unidos. Faltaram-lhe os aportes da anima, e naturalmente a consciência de que a destruição de vidas inocentes é sempre inaceitável.
A personalidade masculina possui energia, coragem, perseverança e ambição. O macho é um “fazedor”- um arrojado “transformador” e “modelador” do mundo. Mas sem os atributos da anima – amor, compaixão, intuição e paciência – as ações do macho tomam direções altamente indesejáveis e perigosas para o restante da humanidade.
O ideal seria que todo homem permitisse sua anima aflorar livremente na sua consciência. A combinação do macho e da fêmea excede a soma das partes. A mulher tem um efeito transformador sobre o homem. Os traços da masculinidade permanecem. Só que, uma vez conduzidos pela anima, eles adquirem verdadeiro sentido e propósito.
Para além do travestismo?
Travestismo, então, pode resultar em parte do esforço instintivo do homem para vivenciar a sua anima e integrá-la à sua personalidade. Uma pessoa transgênera não veste roupas femininas, simplesmente. Ele cria uma nova persona. Esta nova persona permite que ele descubra os traços da sua anima. Por exemplo, nos grupos de apoio a pessoas transgêneras é comum vermos homens abraçando, beijando, acariciando e falando livremente com outros homens sobre os temas mais íntimos das suas vidas. O travestismo dá oportunidade para um homem manifestar, sem nenhum bloqueio, comportamentos e sentimentos normalmente considerados como “femininos”.
Se o impulso de se travestir é realmente adaptativo – uma resposta por parte do organismo para eliminar as barreiras que têm efetivamente reprimido metade das potencialidades do homem – nós podemos especular que outras fases de desenvolvimento são possíveis:
• O transgênero reconhece o lado positivo e terapêutico do travestismo. Nesse ponto, o travestismo torna-se muito mais aceito do que rejeitado pelo ego. Livre das restrições morais, o CD passa a enxergar o travestismo como uma atividade construtiva e enriquecedora da sua própria personalidade. E justamente por isso, a legitimação da necessidade de se montar traz com ela um reconhecimento muito mais realista dos próprios limites e possibilidades.
• O transgênero passa gradualmente a vivenciar sua “mulher interior”. Na medida em que a pessoa se permite reconhecer partes de fundamental importância do seu ser, que estiveram longamente reprimidas e recalcadas dentro dele, descobre que elas transcendem os rótulos sociais de “masculino” ou “feminino”. Aprende ainda a reconhecer e a distinguir na própria anima as suas características nobres e sublimes (espiritualidade, amor, beleza, solidariedade, etc) e as suas características mesquinhas e vulgares (promiscuidade, vaidade, inveja, arrogância, etc).
• Durante algum tempo, o transgênero vivencia as suas personalidades masculina e feminina como distintas entidades. Eventual e gradualmente, ele permite que partes da sua mulher interior sejam introduzidas na sua conduta masculina do dia-a-dia. Esta etapa gradualmente funde com a etapa seguinte.
• A inclusão da fêmea promove uma transformação na personalidade masculina, produzindo uma nova identidade, muito melhor do que qualquer uma das duas consideradas isoladamente. A fêmea fortalece e transforma o macho. Esta etapa não se interrompe mais. O novo self continua crescendo – presumivelmente na direção de maior espiritualidade, amor e serviço ao próximo.
De acordo com a teoria da anima o impulso para se travestir pode diminuir na medida em que a anima seja efetivamente integrada à personalidade. Uma vez que sua plena integração é alcançada, o travestismo tem menos razão de ser. Talvez permaneça um nível residual de travestismo. O mais importante, contudo, é que agora o transgênero tem uma perspectiva clara, sensível e muito mais rica e realista desse seu comportamento. Ele pode escolher entre se travestir ou não. Ele é o árbitro final, não sendo mais influenciado por culpa, vergonha ou pela opinião arbitrária da sociedade. Em vez disso, ele é capaz de escolher para si próprio o que for mais consistente com metas existenciais mais nobres e elevadas.

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