Kátia Mello e Martha Mendonça – Revista Época 13-07-2009
Um casal de suecos decidiu que seu filho não é ele nem ela, é "Pop".
Esse exagero evidencia um sonho moderno de acabar com as diferenças entre os sexos.
Muitos casais optam por não revelar o sexo do bebê até a hora de ele nascer. Querem que seja surpresa e preferem descobrir se é menino ou menina apenas no parto - como era antes dos exames de ultrassonografia.
Um casal de jovens suecos de 24 anos ultrapassou essa lógica e até agora não revelou o sexo de sua criança, que já tem 2 anos e meio.
Apenas parentes mais próximos, que ajudaram a trocar as fraldas, sabem o sexo da criança. Pai e mãe afirmam que tomaram essa atitude baseados na "filosofia feminista de que gênero é uma construção social". Eles dizem que querem que Pop {nome fictício do menor) "cresça com maior liberdade e que não seja forçado a um gênero que o(a) moldará". Apesar de Pop saber as diferenças entre meninos e meninas, os pais não adotam pronomes para identificá-lo(a). Veste-se com vestidos e calças compridas de meninos. O cabelo também recebe penteados alternados. É a própria criança quem escolhe a roupa e, segundo os pais, caberá a ela decidir se é menino ou menina, quando bem entender.
Um debate acirrado estabeleceu-se na imprensa sueca sobre esse caso. Consultora sobre gênero, a sueca Kristina Henkel defende o jovem casal. "As meninas ouvem que estão lindas com vestidos e os meninos bacanas com seus carrinhos. Mas se você não diz a eles qual gênero têm, serão mais humanos e menos estereotipados", diz. A maioria dos suecos não concorda com ela. A pediatra Anna Nordenstrõm, do Instituto Karolinska, afirma que não sabe ao certo o que determina o gênero, mas garante que "essa não é a maneira como se educa uma criança". A história de Pop é o exemplo extremado de um movimento anti-gênero que cresce na vanguarda da sociedade ocidental. Desde os anos 60, com a emancipação feminina e a liberação sexual, a pressão pela igualdade entre homens e mulheres descambou para a tentativa de abolir a ideia de que há diferenças entre homens e mulheres.
O movimento feminista, a partir dos anos 90, passou a sustentar que esses são apenas conceitos culturais, dando um lastro (duvidoso) ao discurso (correto) de que ninguém deve ser discriminado pelo sexo. "Desenvolveu-se a teoria de que o gênero não é a essência de alguém. De que um corpo que nasce mulher não necessariamente tem apenas uma escolha", diz a mestre em filosofia pela PUC Carla Rodrigues, autora do recém-lançado Coreografias do feminino. No livro, ela analisa as discussões sobre a existência ou não da natureza de cada gênero. Carla conta que, ao participar de um congresso feminista em Santa Catarina, no ano passado, conheceu a socióloga francesa Jules Falquet, lésbica assumida, que tem identidade feminina, mas usa um nome masculino (Jules seria Júlio). "Seu objetivo é embaralhar as questões de gênero, manifestando-se contra algo que, em sua concepção, é construído, e não definido pela natureza" afirma.
Tenta-se, com isso, chegar ao ponto em que o gênero seja tomado irrelevante - no esporte, no trabalho, no amor, no casamento, na criação dos filhos e, agora, até na infância -, sempre ao amparo da idéia, jamais comprovada, de que homens e mulheres são iguais e comportam-se de maneira diferente apenas pela educação e pela reclusão de papéis sociais. Recusar essa premissa discutível tornou-se uma atitude politicamente incorreta - com efeitos na vida pessoal. Uma mulher que insista em ser tratada com cortesia ou um sujeito que faça questão de agir como cavalheiro podem ser percebidos como perigosos reacionários.
No começo deste ano, o Departamento de Educação de Nova York, nos Estados Unidos, foi ameaçado de processo por três escolas públicas de ensino médio que reclamavam de a temporada de futebol feminino estar marcada para um período alternativo, enquanto os meninos jogavam na fase principal. Houve apoio de organizações de direitos civis e da National Organization for Women, importante entidade feminista. O caso sugere que qualquer discussão de gênero pode virar polêmica.
No campo da psicologia, as características atribuídas a homens e mulheres passam por revisões radicais. No ano passado, um estudo da Universidade da Pensilvânia mostrou que, hoje, as lágrimas masculinas são mais aceitáveis que as femininas. Os pesquisadores exibiram aos entrevistados imagens de homens e mulheres chorando. O choro masculino foi considerado mais positivo e consistente, enquanto o das mulheres não foi tão bem visto. A derrubada do "homem não chora" e a censura à decantada fragilidade feminina são fenômenos deste período de transição, segundo a sexóloga carioca Regina Navarro Lins, autora de A cama na varanda. "Os homens podem chorar, cozinhar, cuidar dos filhos, e as mulheres ser empreendedoras", afirma. Um toma o lugar do outro, destruindo estereótipos. "Existe uma tendência à androginia, no sentido de não haver mais características marcantes do gênero", diz.
Criado pelo feminismo, o movimento contra a discriminação de gênero foi positivo de várias maneiras. Mudou o conceito de paternidade, abriu mercado de trabalho para as mulheres, criou a moda unissex e, principalmente, ampliou como mmca a liberdade sexual. O consagrado historiador britânico Eric Hobsbawm escreveu no livro A breve história do século XX que o maior feito do século foi a libertação das mulheres. Agora, a psicóloga Mara Pusch, da Universidade Federal de São Paulo, teme a radicalização daquilo que começou como uma idéia de direitos iguais para homens e mulheres e, depois, ampliou-se para a inclusão da população homossexual. "A liberdade existe a partir do momento em que temos escolhas, e não a partir da destruição da identidade", diz ela. Mara diz que há na sociedade uma pressão que ela considera normal pela experimentação (caso do fenômeno mundial de meninas se beijarem ou terem relações, sem necessariamente definir sua opção sexual) e uma outra forma de pressão que resvala para o fanatismo. "Há o risco de que o culto da liberdade se transforme em exagero, aberração", afirma.
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