quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Aos 14, meu corpo não mudava como os das outras meninas

Minha identidade de gênero: feminina.
Eu nasci menino. Aos quatro anos, mexia nas coisas da minha mãe pela primeira vez. Aos sete, já usava as roupas dela escondida e aos 12 já me maquiava e desfilava pela casa quando estava sozinha.
Aos 14, meu corpo não mudava como os das outras meninas, as roupas não ficavam como eu queria, então perguntei a uma travesti o que ela tomava e comecei a tomar também.
Três meses depois, meus peitinhos começaram a crescer, meu pai percebeu e me levou a um médico para entender o que estava acontecendo. Tive que contar que queria ser uma menina, ao que me convenceram que era uma péssima ideia, principalmente porque ficaria estéril com a hormonização e as garotas não iriam me querer.
Assim, fiquei no armário levando uma vida dupla por 39 anos, ocultando minha verdadeira identidade e “performando” um homem tão convincentemente perfeito que só poderia ser uma grande mentira. Amigos diziam que eu era “o cara”, garotas me chamavam “homem perfeito” e eu abaixava a cabeça calada.
Hoje olho no espelho todos os dias e vejo a mim. Enfrento olhares, risos e graças diariamente, não sendo mais o modelo masculino ou sequer um modelo de ser humano, mas sou eu verdadeiramente, sem máscaras, sem mentiras e, acredite, uma pessoa muito mais plena e feliz.
Minha orientação sexual: bissexual com preferência por mulheres
Aos seis anos me apaixonei pela primeira vez, por uma menina, colega de escola. Eu disse seis anos. E nunca mais parei. Além de me esfregar nas almofadas da casa, eu me esfregava nas colegas, primas, filhas dos amigos do meu pai, brincava, beijava.
Sempre preferi as meninas mas, aos 12 anos, no desespero de não poder ter relações completas com uma garota acabei fazendo um belo troca-troca com um amiguinho meu da mesma idade. Era mais uma forma de alívio do que algo que eu realmente queria, mas resolvia a questão.
Até que um ano depois, aos 13, procurei uma prostituta na Rua Aurora (SP) e tive minha primeira relação completa com uma mulher. Nunca mais parei. Saí com alguns homens esporadicamente, sempre montada e feminina, desejando me sentir mulher mais do que ter uma relação com eles, mas chegava a ficar meses e até anos sem ter uma relação com um homem.
Com mulheres, se possível, eram todos os dias e tive fases em que era conhecidO em vários prostíbulos de luxo da capital. Esses dias, conversando com uma ex-namorada com quem morei um tempo, ela me disse: “você transava comigo todas as manhãs, todas as noites e ainda te pegava às vezes batendo uma…!!!’
Minha afetividade: exclusivamente votada para mulheres.
Nunca namorei um homem. Tentei algumas vezes depois de minha transformação, mas não consegui. Afetivamente, só me envolvo com mulheres desde que me conheço por gente e me apaixonei várias vezes.
Fui casada duas vezes e tive alguns relacionamentos sérios, sempre com mulheres que sabiam do meu lado feminino. Algumas chegaram até a sair comigo vestida de mulher, até que minha última esposa me incentivou a ser quem eu realmente queria ser.
Me hormonizei por vários anos, fiz três cirurgias, laser e fui mudando até o ponto em que não dava mais pra ocultar e resolvi assumir de vez, ser como hoje sou.
Acredito em um mundo sem hipocrisia, com liberdade verdadeira, onde cada indivíduo possa viver sua realidade e sexualidade da forma como desejar, com igualdade absoluta de direitos e com respeito ao mesmo direito do outro.
Vivemos em uma sociedade de mentiras, onde cada um tenta transmitir uma imagem que agrada a uma moral ilógica, anacrônica, que tolhe o ser e só traz infelicidade. Religiões incutem culpa para vender perdão e, sem perceber que ninguém escapa de algum tipo de culpa, todos nós somos os controladores uns dos outros. Aceite o outro com suas diferenças e seja você mesmo feliz exatamente como você é.
*Márcia Rocha é advogada, militante e travesti. Livre como poucas, vive sua vida o mais intensamente possível, criando suas próprias regras da mesma forma como criou seu corpo escultural. Uma mulher especial com algo a mais, que vive para ser e fazer feliz.
http://www.paupraqualquerobra.com.br/2013/03/22/aos-14-meu-corpo-nao-mudava-como-os-das-outras-meninas/

Nenhum comentário:

Postar um comentário